Adeanta-se a raposa e diz:

— Acho conveniente ouvir a confissão das demais féras. Porque, para mim, nada do que V. M. allegou constitue crime. Matar veados, despreziveis creaturas! Devorar ovelhas, mesquinhos bichos de nenhuma importancia! Trucidar pastores, raça vil merecedora de exterminação! Nada disto é crime. São coisas, até, que muito honram o nosso virtuosissimo rei leão.

Grandes applausos abafaram as ultimas palavras da engrossadora e o leão foi posto de lado como improprio para o sacrificio.

Apresenta-se, em seguida, o tigre e repete-se a scena. Accusa-se elle de mil crimes, mas a raposa prova que tambem o tigre era um anjo de innocencia.

E o mesmo acontece com todas as féras de dente agudo e garras poderosas.

Nisto chega a vez do burro. Adeanta-se o pobre animal e diz:

— A consciencia só me accusa de haver entrado, movido pela fome, na horta do vigario, comendo alli uma folha de couve.

Os animaes entreolharam-se. Era muito sério aquillo. E a raposa, tomando a palavra, conclue:

— Eis, amigos, o grande criminoso! Tão horrivel é o que elle nos conta que é inutil proseguir nas investigações. A victima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra, porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratissima couve do senhor vigario.