Todavia elle foi sempre gentleman, correcto nas suas contas, serviçal, polidissimo. Admirou, e só as almas nobres sabem admirar. Elle admirou Sainte Beuve, admirou Gauthier, foi amigo de Du Camp e de Poulet-Malassis.

Foi amante de muita mulher, mas uma houve que o prendeu vinte annos. Foi Jeanne Duval a que elle tantas vezes se refere no seu livro. Ella fartou-se de o atraiçoar. Elle sabia-o. Pois um dia teve uma paralysia e é elle, amante fiel, quem á sua custa a interna no Hospice Dubois. Á sua custa, á custa da sua misérrima bolsa que não tinha um sou. Quando ella se cura, elle vae viver com ella.

Como se vê, Baudelaire, era assim, por dentro. Por fóra era um ironista, um troçador mephistophelico e temido, um homem satanico, capaz de tudo. Pintava os cabelos de verde, e uma vez tendo encontrado, na rua, Theodoro de Banville, propoz-lhe a queima roupa tomarem um banho juntos. Banville, surpreso, para se não dar ares de admiração retorquiu-lhe que tinha essa mesma ideia e que estava mesmo para lh’a propôr. Como se fosse uma coisa natural! Subiram a um balneario e, de dentro da sua tina, Baudelaire disse a Banville: Que cara faria V. se eu agora lhe lesse uma tragedia em cinco actos?

Mas Baudelaire era assim: elle o das pequenissimas sensibilidades, para que o não conhecessem, para que não soubessem que elle era timido, amoroso, terno, amigo e sincero. São assim quasi todos os artistas. A alma que cada um tem não é aquella que aparenta ter. Pobres grandes homens!

Nascer salmão entre sardinhas deve ser triste. Um grande homem está por cima de nós. Os grandes homens estão no cume das montanhas, mas por isso mesmo só podem ter as aguias por companheiras. Quando cá de baixo a gente ergue os olhos pensa: deve ser feliz estar lá em cima. Tem-se gloria, a consideração. Quando a gente passa, as mulheres dizem-nos o nome e os homens zumbaiam a sua me. sura. Deve estar alli a amizade profunda, o amor acriso-