E é justamente porque se trata d’uma figura primacial, por certo, tão conhecida, e tambem por me parecer que conheço a indole litteraria e philosophica do seu traductor de hoje, que me surprehende o apparecimento d’este livro, n’uma interpretação portuguêsa, que, embora aureolada pelos fulgores d’um genio, teve a sua actualidade malsaine, deleteria e que, como todas as actualidades, passou...

Todos aquelles que, acaso, passem a vista por estas linhas se estarão agora lembrando d’aquelle extraordinario e fulgurante primeiro capitulo de A Correspondencia de Fradique Mendes e das palavras que incidentalmente Eça dedica ás Flores do Mal.

Ah! como é profundamente exacto, porque eu o senti, porque o sentiram todos os da minha geração de ha quasi 30 annos, que o que os jovens de 1867 procuravam em Baudelaire era a emoção e, como em 1867, em 1882, ao clamarmos tremulos e pallidos de paixão as estrophes da Charogne, «certamente Baudelaire não valia este tremor e esta pallidez». Este «não valia, percebemol-o mais tarde, passados os enthusiasmos que uma tão capitosa novidade artistica não podia deixar de levantar mais em cerebros do que em corações de 18 annos.

Então, essa, já agora, lendaria figura que vestia uma especie de blusa ou dolman, fechada por um collar molle, essa mascara inolvidavel de cenobita escanhoado, de fronte amplissima, com a sua historia d’impeccavel asseio, surgia-nos com oum semi-deus nimbado de gloria, senhor d’um poderio immarcessivel.

Só mais tarde percebemos que a sua obra era uma expressão de decadencia d’um pessimismo, d’um nihilismo, que se distinguia do dos seus predecessores, pela evidente differença de rhetorica e de processo. Era, n’uma palavra, e a um tempo, o esplendido e doloroso producto d’uma alma superior, onde coexistiam a mais aguda e apurada lucidez espiritual e a peior das desordens sensuaes ou sentimentaes.