Seria d’uma relativa facilidade folhear ao acaso as Fleurs du Mal para provar a verdade d’este dito, mas visto que a Charogne é, por assim dizer, a fortaleza em que se entricheiram todos aquelles que, em Portugal, se propõem dar ao manifesto erudição baudelereana, da mesma forma que em França os grandes espiritos quando pretendem alardear conhecimentos da lusa historia, lançam logo mão dos nos808 Gama, Albuquerque e Camoens (e d’aqui é raro passar...) visto que a Charognet é de todos conhecida, lembremos a ultima quadra:

Alors, oh ma beauté, dites à la vermine
Qui vous mangera de baisers,
Que j’ai gardé la forme et l’essence divine
Des mes amours décomposés.

Agora, vejamos a interpretação de Delfim Guimarães:

Então, ó meu amor, dize á larva brutal
Que te beijar o rosto
Que eu guardei o contorno e a essencia divinal
Do teu corpo gentil antes de decomposto!

Vê-se que os tres primeiros versos não só foram inter pretados, mas traduzidos á lettra; o que, fique dito d’uma vez, succede em quasi todas as peças, com uma probidade, um conhecimento das duas linguas e uma tão nitida com. prehensão do poema original, que não encontro palavras bastante elogiosas — estando a adjectivação tão apelintrada á força de uso para celebrar-lhe o verdadeiro mere. cimento.

O ultimo verso, porém, não só não está traduzido, como não foi interpretado e, bem pelo contrario, encerra uma feliz modificação ao original. Ao sr. Delfim Guimarães repugnou, por decerto, a extravagancia da cessencia divina dos amores decompostos, esquecido momentaneamente,