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inflexão portugueza, ou de hum radical mais ou menos torcido do latim. Por falta de attender a esta importantissima observação, he que tem havido tão grande divergencia de opinião entre os nossos grammaticos e lexicographos, antigos e modernos. Nenhum d’elles parece ter reflectido que a lingua portugueza não procedeo directamente do latim classico, mas sim da lingua romana rustica fallada nas Hespanhas e na Gallia Narboneza. Recorrer á lingua dos escriptores classicos latinos em prosa ou verso, para fixar a derivação de palavras portuguezas de origem adulterada, he erro grave. Por isso, quem comparar leite com lac, quente com calidus, leito com lectus, lex com lei, olho com oculus, desejo com desiderium, verá que os radicaes já estavão pervertidos quando começárão a ser pronunciados de huma maneira analoga á nossa. He portanto evidente que nestes e outros muitos vocabulos, não podemos deixar de nos encostar ao uso antigo e moderno, salvo naquillo em que elle for contrario á razão ; v. g. em escrever lei, rei, com y, que não he letra propriamente portugueza, e he só admissivel em palavras de origem grega, para representar o ypsilon, ou nas vozes estrangeiras, inglezas, etc.

Regra IIIª. Todas as letras, consoantes ou vogaes que pertencem ao radical, devem conservar-se nos derivados, ou ellas se pronunciem em todos ou só em alguns, e ainda quando não soão, na caso de modificarem a letra precedente ou as subsequentes. D’aqui se colhe que as consoantes dobradas das palavras latinas devem conservar-se em portuguez, nos