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duas porções iguaes ou mui semelhantes, ou cousas que emparelhão ; mas he erro crasso dizer que estes nomes tem dual, o que não tem lugar em portuguez, nem em latim e nas linguas d’elle derivadas. Tanto he verdade o que affirmo, que todos elles tem plural invariavel. Dizemos muitos farelos, grãos, cominhos ; muitas favas, lentilhas, semeas, migas, papas, fezes, tesouras, e he incontestavel que venta, tesoura e tesourinha, fava, etc, estão no singular, assim como gémeo, cujo plural he gémeos (signo do zodiaco). Não comprehendo como poude cahir em tal erro o senhor Jeronymo Soares Barboza na sua Grammatica philosophica da lingua portugueza, que a Academia das Sciencias de Lisboa imprimio a sua custa em 1822. He preciso não ter o menor conhecimento do dual grego, para o confundir com os substantivos que indicão parelhas, quando não são precedidos de hum adjectivo que designe numero acima da unidade, e que sempre levão o verbo ao plural. Ex. Estes calções são bons ; estas calças, chinellas, tesouras, andas, são de boa qualidade. Dizemos huns calções, humas calças, dois, tres, vinte calções ; duas, tres, mil calças, tesouras, etc. Onde está aqui a natureza do dual? Bem denotão o numero dois as palavras par, parelha, e todavia tem a fórma e o sentido de singular, e tem plural. Demais, em grego o dual denota o numero dois, e não mais ; o que não tem lugar a respeito de calças, calções, que podem significar hum traste d’estes ou muitos, assim como os