O habito tudo póde.
E verdade, a mão pouco afeita ao trabalho tem o tacto mais delicado!
Mas a idade chegou, passo furtivo
Nas gastadoras garras me ha tomado,
E assim, mau grado meu, me ha condemnado
A viver entre a morte, morto-vivo. (Desenterra uma caveira.)
Houve tempo em que esta cabeça tinha uma lingua e cantava; agora este rustico fal-a rolar pelo solo, como se fosse a mandibula de Caim, o primeiro homicida. O craneo que este imbecil trata com tão pouco respeito, era talvez de algum profundo politico, que se julgava até capaz de impor a sua opinião o proprio Deus, não é verdade?
Tudo póde ser, senhor.
Ou talvez de algum cortezão cujo prestimo unico fosse repetir: «Deus seja comvosco, como está, meu senhor?» É talvez o craneo do sr. fulano, que gabava o cavallo do sr. cicrano, com a idéa que este lh'o désse, não é verdade, Horacio?
Sim, meu senhor!
Deve assim ser! Agora pertence aos vermes; não tem nem pelle, nem sangue, nem carne, e este coveiro fende-o com a sua enxada. Eis uma estranha revolução, assim a comprehendessemos bem. Joga-se a bola com esses ossos, como se nada tivessem custado a formar. Sinto estalar os meus só pensando-o.
Uma enxada e uma pá logo em seguida,
Um lençol que amortalha o corpo todo,
Um buraco depois feito no lodo,
Eis ao que se reduz a humana vida. (Desenterra outra caveira.)
Eis um outro craneo; quem sabe se não seria de um jurisconsulto.