Assim de Pyrrho a furia, instantes mal contida,
Irrompe a completar a obra interrompida.
Dos Cyclopes jamais caíram retumbantes
Com remorso menor os malhos flammejantes
Para forjar de Marte a gravida armadura,
Que sobre o nobre velho, ensanguentada, impura,
De Pyrrho a espada ardente!... É finda a horrenda lucta!
Atrás, fortuna, atrás, atrás, vil prostituta!
Vós, deuses immortaes, em synodo sagrado,
Roubae-lhe o audaz poder, quebrae todos os raios
Ás rodas do seu carro, e lá do céu lançae-os
Tão baixo que o demonio os veja sempre ao lado.

POLONIO

Parece-me demasiado longo.

HAMLET

Para o encurtar manda-se a um barbeiro ao mesmo tempo que a tua barba. (Ao actor.) Continúa, peço-to eu; se não lhe apresentam um bailado grutesco, ou uma scena immoral adormece logo. Continúa, pois, chegámos a Hecuba.

PRIMEIRO ACTOR

Mas quem visse, oh, quem visse a rainha embuçada!

HAMLET

A rainha embuçada.

POLONIO

Optimo, embuçada é bom.

PRIMEIRO ACTOR

Correndo, nus os pés; com lagrimas que chora
As chammas, apagando; a fronte coroada
Por um farrapo vil, a fronte onde ainda agora
Brilhava um diadema; apenas mal vestida
Por coberta alcançada á pressa na fugida;
Quem visse tanto horror, acaso concebêra
Que a fortuna só tem entranhas de uma fera;
Mas se os deuses do Olympo houvessem escutado,
Quando ella vira Pyrrho entregue ao estranho goso
De cortar membro a membro, o corpo ao morto esposo,
De seu peito fremente, o grito amargurado
A não ser que da terra ao céu não suba a magua
Sentiriam como ella os olhos rasos d'agua!

POLONIO

Vejam, empallidece, o pranto inunda-lhe os olhos. Basta, peço-to.

HAMLET

Está bem, o resto m'o recitarás n'outra occasião; (a Polonio)