HAMLET (approximando-se de uma janella)

Vê acolá aquella nuvem que tem quasi a fórma de um camello?

POLONIO

Não ha duvida, dir-se-ia effectivamente um camello.

HAMLET

Parece-se mais com uma doninha.

POLONIO

É verdade! tem o feitio da doninha.

HAMLET

Ou de uma baleia?

POLONIO

Realmente, com o que se parece é com uma baleia.

HAMLET

Agora vou ter com minha mãe, hão de acabar por enlouquecer-me devéras. Vou já.

POLONIO

Vou communical-o á rainha. (Polonio sáe.)

HAMLET

Já! É facil dizel-o. Deixem-me sós, meus amigos. (Sáem todos excepto Hamlet.)

HAMLET (só)

É esta a hora da noite propria dos mysterios da magia, a hora em que os tumulos se abrem, em que o inferno exhala sobre a terra o seu sopro contagioso; agora sinto-me capaz de beber sangue ainda fumegante, e commetter actos que o dia consternado não poderia presencear sem terror! Prudencia! Vamos ao quarto de minha mãe. Oh! meu coração, não dispas o teu vigor; firmeza agora, mas que o coração de Nero nunca entre em meu peito. Sejamos inflexiveis, mas não filho desnaturado; seja a minha lingua um punhal, mas minha mão esteja desarmada; e n'esta occasião sejam a minha bôca e o meu coração obrigados pela rasão a dissimular. Por mais violentas que sejam as minhas palavras, dae-me força, meu Deus, para que sejam sempre comedidas, assim como os meus actos. (Sáe.)