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riquezas que de outro modo não lhes encontravam. Taes foram as cruezas e atrocidades dos mussulmanos que grande numero de judeus hespanhoes preferiram voltar ao reino, offerecendo os pulsos ás algemas d'escravos. A sua cubiça insaciavel, o seu orgulho e o abuso do ouro e poder que, provavelmente, elles haviam feito em Hespanha, do mesmo modo que o practicavam em Portugal os seus co-religionarios, recebiam tremendo castigo da mão da Providencia, que de outras cubiças e de um fanatismo cego fizera instrumentos da sua eterna justiça, justiça que, egualmente, não devia tardar em cahir sobre os judeus portugueses[1].

As amarguras destes infelizes, que, depois de espoliados e espancados, viam suas mulheres e filhas deshonradas ante os proprios olhos e os filhos victimas de crimes ainda

  1. Pina, l. cit. — Goes, Chron de D. Manuel, l. cit. — Memor. Mss. da Ajuda, l. cit. Estas Memorias subministram muitas das particularidades que vamos narrando e que, naturalmente, não era licito ao chronista Pina inserir numa chronica official, posto que Goes, escrevendo meio seculo mais tarde, revela já uma parte dos escandalos então practicados.