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menos, se lhes permitisse mandarem-nos afretar á sua custa. O governo respondeu-lhes a final que se dirigissem todos a Lisboa, onde essas promessas que invocavam seríam realisadas. Fizeram-no assim. Mais de vinte mil, conforme as memorias coevas, chegaram a entrar successivamente nos Estáos[1].

Aquelles a quem os esbirros regios não tinham ainda tirado os filhos viram aqui arrancarem-lh'os dos braços, sem distincção de sexo nem de idade[2]. O fanatismo conduzira áquelle recinto as familias que não tinham

  1. Goes (l. cit.) diz que foram vinte mil os individuos reunidos por esta occasião nos Estáos. Os Estáos eram um palacio que occupava, pouco mais ou menos, o terreno do theatro de D. Maria ii. A affirmativa de alli se ajuntarem e agasalharem 20:000 pessoas é materialmente impossivel. A narração de Goes é absurda, porque, apesar de horrivel, occulta metade da verdade. As Memor. Mss. da Ajuda concordam com Goes em que vieram alli 20:000 pessoas, mas, descubrindo o painel das atrocidades que então se practicaram, painel que a sentença do bispo do Algarve alumia de uma luz sinistra, fazem-nos comprehender como era possivel ir-se recolhendo ahi avultado numero de individuos.
  2. «alli lhe tornarão a tomar nouamente os outros fylhos sem oulhar a idade»: Mem. Mss. da Ajuda, l. cit.