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Foram presos quarenta moços, e instaurouse-lhes processo. A devassa a que se procedeu provou a innocencia dos aggredidos. Apesar da idade dos réus, o tribunal condemnou-os a açoutes e a degredo perpetuo para S. Thomé. As supplicas da rainha fizeram, porém, com que elrei lhes perdoasse a ultima parte da pena[1].

Ao passo que os individuos de origem hebréa estavam assim expostos aos insultos da gentalha, a Inquisição d'Hespanha, devorada da sede insaciavel de sangue, forcejava por colher ás mãos aquelles que, perseguidos por ella, vinham buscar asylo em Portugal. Fosse qual fosse aqui a situação dos judeus, os refugiados evitavam, ao menos, as dilatadas agonias dos carceres e tormentos e o atroz supplicio do fogo. A Torquemada succedera D. Diogo Deza no cargo d'inquisidor geral, e a intolerancia e o fanatismo do furioso dominicano tinham achado nelle um digno representante. Deza, sem ser menos cruel que o seu predecessor, excedia-o em actividade[2]. A facilidade com que se transpunham as fronteiras dos dous paizes fazia abortar muitas

  1. Memor. Mss. da Ajuda, 202 v.
  2. Llorente, Hist. de l'Inquis., T. 1, c. 10, art. 1.º