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vina. No altar da capella chamada de Jesus havia naquelle tempo um crucifixo, e no lado da imagem do Salvador um pequeno receptaculo. que servia de custodia a uma hostia consagrada. No excesso da exaltação religiosa houve quem cresse ver ahi, e talvez visse, uma luz extranha. Espalhou-se logo voz de milagre. Ou que os dominicanos, aproveitando a illusão, realisassem artificialmente a supposta maravilha ou que a credulidade, fortalecida pelos terrores da peste, predisposesse cada vez mais a imaginação do vulgo para ver aquelle singular clarão, é certo que ainda nos dias seguintes havia quem affirmasse divisá-lo perfeitamente. Todavia, o voto mais commum era que essa maravilha não passava de uma fraude, e ainda muitos dos mais crentes suspeitavam que o facto existira apenas nas imaginações escandecidas[1]. Durante quatro dias a crença no prodigio foi ganhando

  1. «O qual (milagre) a parecer de todos era fingido»: Memor. Avulsas dos Reinados de D. Manuel e D. João iii (Mss. contemporaneo), vol. 2 de Miscell., f. 120 v. na Bibliotheca da Ajuda. — «Ou a imaginação dos devotos se afigurou que lhe pareceo verem fogo e o lado do crucifixo» Memor. Mss. da Ajuda, f. 219. — Goes (l. cit.) diz confusamente o mesmo.