Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo I.pdf/219

Todavia, esta continuação de bonança não podia durar. Nas monarchias absolutas, quando uma idéa fixa ou uma paixão violenta preponderam no animo do chefe do estado, é quasi impossivel que, mais tarde ou mais cedo, essa ídéa ou essa paixão não venha a traduzir-se em factos. Mas, se á força immensa da vontade real se associa a opinião popular, o pensamento que predomina no espirito do príncipe e da maioria dos subditos, seja justo ou iniquo, assisado ou insensato, moral ou immoral, triumpha infallivelmente. Era o que succedia em Portugal naquella epocha. As classes inferiores detestavam os christãos-novos, como o proprio rei detestava. Da parte do povo havia, até certo ponto, como já noutro logar advertimos, fundamentos para a melevolencia. A riqueza monetaria e, em grande parte, o commercio e a industria estavam nas mãos da gente hebréa, e esta não podia deixar de aproveitar-se frequentemente dessa vantagem para se vingar dos seus inveterados inimigos, daquelles que haviam assassinado ferozmente milhares de irmãos seus. Era uma lucta muitas vezes occulta, mas permanente, e que de dia em dia se exacerbava por novos aggravos. Dois sentimentos, um natural, outro facticio, contribuiam para levar ao