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tiam, porque ninguem mais foi punido. O moço monarcha ía-se assim afazendo ás atrocidades futuras da Inquisição, e o castigo exaggerado dos dous réus era um verdadeiro tyrocinio[1]. Se o processo, porém, nada provara contra os christãos-novos em geral, o odio do fanatismo encarregou-se de completá-lo por esta parte. Correu voz de que os matadores de Firme-fé haviam recebido ouro dos outros christãos-novos para perpetrarem o delicto. Todavia, esta acusação não tinha cruzado os umbraes do tribunal que julgara os deliquentes, onde teria legitimado o excesso do castigo, se, porventura, se houvera demonstrado ser verdadeira[2]. Entretanto, o discipulo de Lucero, o espia de seus irmãos, foi immediatamente sanctificado pela hypocrisia. Espalharam que, ao encontrar-se o cadaver, se lhe achara mettido no seio um papel em que estavam desenhados os trinta dinheiros porque Judas vendera seu mestre, e escriptas ao pé as seguintes palavras propheticas: «Jesu

  1. Inquérito, l. cit. — Acenheiro, l. cit.
  2. «Oyó dezir este testigo que otros christianos nuevos de Portugal lo mandaron matar e le dieron muchos dineros a los que lo mataron»: Inquérito, l. cit.