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nas que naquella epocha se passavam por alguns districtos se póde fazer idéa do que succederia geralmente. Uma imagem da Virgem, venerada em Gouveia e com a qual, segundo parece, o povo tinha particular devoção, appareceu indignamente ultrajada[1]. A devassa que se tirou ácerca daquelle acto sacrilego deu o resultado que o leitor facilmente prevê. Esse escandalo fora obra dos christãos-novos. Acharam-se tres culpados, dous dos quaes, sendo presos, foram remettidos para a corte. Não tardou a correr voz de que estavam para ser absolvidos e postos em liberdade. Dizia-se então geralmente que os conversos haviam constituido uma vasta associação para mutuamente se ajudarem com os immensos recursos que lhes davam as riquezas de uns, a illustração de outros, a astucia de muitos e o temor vigilante de todos. Ao mesmo tempo accusavase a magistratura de corrupção, para que nunca passassem por innocentes os réus absolvidos depois de um processo ordinario por crimes contra a igreja. Esta opinião commum agitava os animos em Gouveia, e os juizes municipaes dirigiram ao

  1. O desacato consistira em derribar a imagem s fazê-la pedaços: Symmicta, vol. 31, f. 15.