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rectamente, mandando alguns moços cantarlhes cantigas ameaçadoras e insolentes debaixo das janellas; mas os proprios officiaes publicos temiam que estas demonstrações chegassem mais longe. Foi o que succedeu. Aproveitando uma ausência temporaria do primeiro magistrado da cidade, ajunctaram-se varios grupos, certa noite a horas mortas, na rua principal, habitada em grande parte por christãos-novos. Estes grupos não se compunham só da plebe: tinham-se unido a ella indivíduos da classe mais elevada. Alli proromperam em pregões, condemnando os christãos-novos ao fogo. Qualificando-os de cães infiéis e judeus, clamavam em desentoados gritos que lhes pertenciam os bens delles, e que suas mulheres e filhas lhes deviam ser entregues, para as violarem, depois do que, tudo se poderia arrojar ás chammas. Espalhada a voz do tumulto, o alcaide da cidade marchou com alguma gente para a rua nova; mas não pôde prender nenhum dos amotinados, porque lhe resistiram ousadamente, até que julgaram opportuno retirarem-se[1].

A narrativa circumstanciada destas desor-

  1. Instrumentam Lamecense, Symm., Vol. 31, f, 178 v.