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neste mundo que tenha firmeza? Assim, poder-se-hão annullar os privilegios, tenças e doações». — Contava D. Martinho com que essas phrases fossem lidas pelos valídos e ministros, locupletados e engrandecidos por mercês regias? O modo como terminava a carta não era menos notavel. Tinha-o avisado seu irmão, o conde de Vimioso, de que em Portugal se conheciam já as suas occultas machinaçoes e das inferencias que d'ahi se deduziam[1]. Estava, portanto, na borda de um abysmo, de que só a audacia podia salvá-lo. Escrevera logo ao conde, vindicando a sua innocencia. Simulara nessa carta uma indignação que subia a ponto de insultar a pessoa do soberano. — «Não acho infamia maior dizia elle — que um principe possa practicar, do que saber que se dizem cousas taes de um ministro seu, e não o punir ou áquelles que as inventam». — Dadas estas explicações, se não recebesse condigna satisfação, «estava resolvido — accrescentava — a proceder de modo que constasse ao mundo como

  1. Estes avisos consta terem sido dados ao arcebispo pelo conde de Vimioso da Carta de D. H. de Meneses de 1 de novembro de 1535: na G. 20, M. 7, N.° 23, no Arch. Nac.