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crueis, seguros, em qualquer eventualidade, de que não será a nós que o Omnipotente pedirá estreitas contas do nosso procedimento». Quanto aos editaes, ponderavam-se os absurdos que nelles se descobrem á simples leitura, e apontavam-se, além disso, outras disposições ahi contidas inteiramente contrarias não só ao direito commum, mas ainda ao espirito e á própria letra da bulla de 23 de maio[1].

Estas allegações eram fortificadas por outras diligencias que se faziam, diligencias mais ou menos illegitimas, mas que os costumes devassos do tempo até certo ponto desculpavam. Tinha chegado a Roma o nuncio Marco della Ruvere, cujas idéas moraes o leitor já conhece e os christãos-novos deviam por experiência propria conhecer ainda melhor. O seu despeito contra elles por questões de dinheiro estava modificado, e a razão disso facil é de suppor. O que é certo é que o bispo de Sinigaglia foi encarregado de peitar Ambrosio Ricalcati, secretario particular do papa, e, segundo parece, alguma outra pessoa influente, para inclinarem o animo de Paulo iii

  1. Rationes erga edictum, etc. Ibid. f. 75 e segg — Memoriale quoddam, etc. Ibid. f. 90 e segg.