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giam de Lisboa eram uma verdadeira cilada; tanto assim, que, argumentando sua sanctidade com Santiquatro ácerca da innocencia e dos merecimentos delle D. Miguel, e invocando o testemunho do proprio governo português, dado nas cartas em que D. João iii o revocava á patria, o cardeal protector declarara de plano que taes cartas não passavam de um laço para o colherem ás mãos, e que o resultado só provava que o bispo fora mais astuto do que o monarcha. Terminando pela appreciação das penas que se fulminavam contra elle, ridiculisava o demittirem-no de um cargo que elle proprio resignara officialmente, e que, decerto, não havia de accumular com o cardinalato. Fazia-o tambem sorrir o riscarem-no do registo dos nobres e vassallos, e esbulharem-no de todas as mercês, bens e rendas havidas por elle da coroa. Nada tinha desta, salvo o que lhe provinha dos beneficios ecclesiasticos, ácerca dos quaes só ao papa tocava dispor. Aquelle vão apparato de espoliação era, em seu entender, para illudir os ignorantes e fazê-lo passar por ingrato ao rei depois de recebidas deste avultadas mercês. Appreciando a parte da carta regia que o bania e privava dos fóros de cidadão, mostrava que o governo ultrapassara nisso as suas