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ligencias para a tornar de fina tempera, buscando por todos os modos que a protecção de Castella fosse efficaz e sincera. Porque, pois, pretendia affastá-la o arcebispo, homem astuto, e que a si proprio se gabava de que só algum negocio impossível seria o que elle não soubesse levar a cabo[1]? É licito suppor que desejava prolongar a lucta, porque interessava em residir na corte de Roma, e porque, apesar das exaggerações que lemos na correspondencia que delle nos resta ácerca dos proprios serviços, o arcebispo trahia o seu dever, acaso porque dessa deslealdade tirava os meios para realisar os designios que nutria. Documentos posteriores revelamnos a este respeito uma vergonhosa historia, um desses quadros que não raro passarão ante os olhos do leitor, e que provam o erro dos que suppõem que o século xvi, inferior sob tantos aspectos ao nosso, valia mais do que elle pelo lado moral.

D. Martinho era um grande ambicioso. Não

  1. «Se este negocio se pudera fazer como V. A. queria, eu o acabara em tempo de Clemente, ou deste papa, ou de qualquer que fora; mas pois eu não pude, não foi acabavel»: C. de D. Martinho de 13 de setembro de 1535, G. 2, M. 1, N.° 50.