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rubricadas pelo notario da Inquisição, acharam accesso á lobrega morada do hereje, e uma lista de devedores publicos, traçada por simples reminiscências no meio da agonia moral, habilitaram o contador d’elrei para salvar, até a ultima mealha, os haveres de sua alteza[1].

Se estas e outras scenas analogas se passavam na diocese de Lamego, não eram menos barbaras e oppressivas as que occoriam no resto do reino. A alçada da Inquisição de Coimbra estendia-se por todo este bispado e pelo da Guarda. Os commissarios eram o dominicano Fr. Bernardo da Cruz, bispo de S. Thomé e reitor da universidade, e o prior da collegiada de Guimarães, Gomes Affonso[2]. O bispo de S. Thomé tinha um genio irascivel e despotico, e detestava cordealmente os christãos-novos. Das suas luzes e da nobreza dos seus sentimentos póde-se fazer idéa por uma carta que delle nos resta, dirigida a D. João iii depois da sua nomeiação para inquisidor, em resposta a outra, na qual elrei o consultava sobre o modo de organisar a Inquisição em Coimbra e de prover os cargos

  1. Instrumento N.° 39, l. cit. fol. 247 v.
  2. Sousa, Aphorismi Inquisitor. (De Orig. Inquisit.) p. 28.