imaginação do leitor poderá assim supprir a descripção de muitas outras que ficaram esquecidas debaixo das abobadas do castello de Coimbra, e a cujos actores a pedra do sepulchro ou as chammas das fogueiras sellaram para sempre os labios.
Simão Alvares era um christão-novo que viera do Porto, haveria nove annos, com sua mulher e uma filha de pouco mais de seis mezes, residir em Coimbra. Esta familia foi uma das primeiras sacrificadas. Pae, mãe e filha achavam-se nas prisões do castello. Segundo parece, a denuncia contra elles falava de crimes de judaismo perpetrados no Porto, e provavelmente faltavam testemunhas de accusação. O bispo precisava de provar esses crimes. Occorreu-lhe um arbitrio para sair da perplexidade. Mandou vir á sua presença a filha do Simão Alvares, e pondo-lhe diante um braseiro cheio de carvões accesos, disse-lhe que, se não confessasse ter visto seu pae e sua mãe açoutando um crucifixo, havia de le mandar queimar as mãos naquelle braseiro. A creança aterrada confessou que assim o vira fazer no Porto a seu pae, e o bispo teve a prova que desejava, embora a testemunha se referisse a uma epocha em que apenas contava pouco mais de seis mezes de edade.