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ao exterminio, uma familia inteira, marido, mulher e filha, fora conduzida aos carceres do Sancto-Officio. A mulher não tardou a ser queimada num auto-de-fé. O marido, fechado numa estreita masmorra e carregado de ferros, era atormentado diariamente para se confessar culpado, ao que o infeliz tenazmente resistia. Tentaram a filha com a esperança da liberdade para que accusasse o pae; mas, apesar de saír apenas da puericia, a donzella houve-se com valor. A chave do seu calabouço foi então entregue a um gallego, servente do tribunal, unica pessoa com quem lhe era permittido falar, e que entrava alli quando queria. Suspeitou-se que esse homem abusava da captiva; mas quem poderia devassar taes segredos? O processo, tanto della como de seu pae, não se fez, e o ulterior destino das duas victimas ficou sendo um mysterio[1].

Pôde imaginar-se qual sería o terror dos indivíduos da raça proscripta quando ouviam da boca de um familiar do Sancto-Officio a ordem para o acompanharem aos carceres do tribunal. Entrando alli, aquelles cujos

  1. Ibid. f. 295.