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As memorias dos christãos-novos completam o quadro da carta dirigida a D.João iii[1]. Se as acreditarmos, perante aquelle espectaculo João de Mello vertia lagrymas. Aperfeiçoava assim o effeito que esperava tirar da subita commiseração para com uma das victimas. No que varia o memorial dos perseguidos é na explicação dessa inesperada piedade. A confissão da mulher, tão extraordinariamente salva, não versava sobre as proprias culpas; versava sobre as alheias. Reconduzida do patibulo aos carceres, a penitente convertia-se em accusadora de metade dos

    queimar, e as mulheres seus maridos, e huns irmãos aos outros, e que não ouvesse pessoa que se fallasse nem chorasse nem fizesse nenhum outro movimento senão despedirem-se huns dos outros com suas benções, como que se partissem para tornar outro dia»: Carta de João de Mello, l. cit. O inquisidor esquecia-se do que anteriormente dissera que duvidava da contricção dos suppliciados. Aqui attribue a sua admiravel constancia á graça divina. A giria devota faz és vezes cahir, ainda os mais habituados, em erros de theologia.

  1. O paragrapho allusivo a um auto-de-fé que se encontra no Excessus Inquisitor. Civit. Ulissipon. (Symm., f. 366 v. e 367) refere-se evidentemente ao de 14 de outubro.