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gem do catechismo, e outras cousas analogas; em parte accusações ridiculas, em parte factos mais ou menos reprehensiveis, mas que nunca se poderiam qualificar de crimes capitaes, e que seria absurdo reputar essencialmente inherentes á crença judaica. Como, pois, acreditar que esses mesmos que não ousavam confessar os dogmas do mosaismo, que blasphemavam delle proclamando-se christãos, exposessem as vidas só para conservar cerimonias e actos puramente accidentaes? Admittindo, porém, tamanho absurdo, como explicar o modo por que esses individuos morriam? Se pelas memorias dos christãos-novos não soubessemos que os padecentes expiravam abraçados ao crucifixo e com todos os signaes de christãos, a carta de João de Mello bastaria para no-lo revelar. Era, portanto, uma adivinhação que fazia, suspeitando que não acabavam contrictos e verdadeiramente arrependidos. E’ evidente que os actos externos dos suppliciados não o auctorisavam para ir mais longe. Um que morresse invocando o Deus de Moysés justificaria a Inquisição e os seus ministros, segundo as idéas de então. Não era facto que o inquisidor omittisse na sua carta. Se, porém, morriam com as exterioridades de christãos, suppor que os