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ca testemunhas que sirvam para condemnar os verdadeiros réus, no meio da malevoiencia do vulgo e num paiz onde as leis prohibem as devassas geraes pela tendencia que o povo tem para jurar falso. Toda a indulgencia parece pouca, tractando-se de individuos collocados em tal situação. Antes deixar impune um criminoso do que punir um innocente. As leis da igreja e as da sociedade dissimulam muitas vezes pequenos males para obviar a outros maiores. Deve seguir-se este exemplo. Nem se alleguem os rigores da inquisição de Castella. Os portugueses têem maior resolução para abandonarem a patria, e estão de sobreaviso, justamente pelo exemplo do que viram naquelle paiz. Prohibir-lhes a saída é inutil. A experiencia tem ensinado com que facilidade abandonam bens e tudo, com que temeridade affrontam quaesquer perigos, para deixar a terra natal. Sem moderação e tolerancia, bem poucos ficarão no reino. Depois, em Castella não os maltractavam, não os envileciam antes de serem declarados réus. Lá, o povo não lhes mostrava igual odio; não fazia assuadas para os matar. Lá, gosavam das mesmas honras que os christãos-velhos; eram regedores das terras, e a simples injuria de se lhes chamar judeus ou tornadiços punia-se