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a doutrina de que se deviam considerar indistinctamente como pessoas poderosas os christãos-novos, esses homens sobre quem pesava o rancor popular, a perseguição fanatica e cubiçosa do rei e de seus irmãos, e a crueldade omnipotente da maior parte do clero secular e regular; homens poderosos, que, aterrados, só pensavam em fugir do reino, e contra cuja saída se tomavam, por apuro de barbaridade, severas providencias, homens poderosos, em summa, que tremiam, e é claro que deviam tremer, não só ante qualquer individuo da plebe, mas tambem ante os proprios escravos, quando eram assás abastados para recorrerem a esse unico meio de terem servidores domesticos, situação que ninguem da raça chamada pura acceitaria em relação a uma familia de conversos. Aos factos publicos e sabidos que os consultores offereciam em prova da timidez da sua nação contrapunham os inquisidores exemplos de vinganças individuaes, tomadas por parentes ou amigos de uma ou de outra victima, negando, nesta parte, as affirmativas demasiado absolutas dos quatro conversos. Mas suppondo-os verdadeiros, que provariam taes exemplos? Provariam a necessidade de declarar poderosos todos os habitantes do paiz, para em ne-