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de que, emfim, cahia victima da transacção mais ignobil que homens podiam conceber e effeituar. Pela energia moral, pela dignidade na extrema desventura, obteria sympathias, se não uteis, ao menos honrosas, e o espectaculo da sua miseria, ao lado da opulencia de Farnese, sería o processo e o castigo deste e do papa no tribunal de todas as consciencias rectas.

Não succedeu assim. D. Miguel era homem da sua epocha. As cortes de Lisboa e de Roma, que frequentara desde a mocidade, tinham-no educado pela norma commum. A ambição, a vaidade e o odio haviam-lhe emprestado a mascara de nobre altivez. Quando a esperança morreu a mascara cahiu, e appareceu mais um desses Jobs de ordem moral, asquerosos, não no corpo, mas na alma, que constituiam a grande maioria dos homens publicos daquelle tempo. Já noutro logar vimos a que apuros chegara o foragido prelado pela dificuldade de receber soccorros pecuniarios de Portugal. Os dos christãos-novos íam escaceiando á medida que a influencia de D. Miguel diminuia. Chegara a termos taes, que o proprio Balthasar de Faria o reputava mais digno de compaixão do que de malevolencia. Com brutal graciosidade, o agente d’el-