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riam ter sido collocadas no nosso paiz no meiado do seculo xvi com a mudança dos nomes dos personagens e dos logares, mas talvez com mais carregadas cores. A vida do escravo, se acreditarmos a narrativa do informador dos padres de Trento, era nessa epocha verdadeiramente horrivel em Portugal. Mas um povo affeito a ver tractar assim uma porção dos seus semelhantes deixaria de corromper-se e poderia conservar instinctos de nobreza e generosidade? Os escravos mouros, e negros, além de outros trazidos de diversas regiões, aos quaes se ministrava o baptismo, não recebiam depois a minima educação religiosa. Fé não a tinham, ignorando completamente o credo e até a oração dominical, o que não procedia só do desleixo de seus senhores, mas tambem da relaxação dos prelados. Era permittido entre elles o concubinato, misturando-se baptisados e não baptisados, e tolerando-se, até, essas relações illicitas entre servos e pessoas livres. Os senhores favoreciam esta dissolução para augmentarem o numero das crias, como quem promove o accrescimo de um rebanho. Os filhos de escravos até a terceira ou quarta geração[1]

  1. «In tertia etiam et quarta generatione» As fa-