A Ideologia Californiana sintetiza perfeitamente as consequências desta derrota para os membros da “classe virtual”. Apesar de eles desfrutarem das liberdades culturais conquistadas pelos hippies, a maior parte deles não está mais diretamente envolvida na luta para construir a “ecotopia”. Em vez de rebelar-se abertamente contra o sistema, estes artesãos hi-tech agora aceitam que a liberdade individual somente pode ser atingida trabalhando-se dentro das restrições do progresso tecnológico e do “livre mercado”. Em muitos romances ciberpunks, este libertarianismo associal está personificado na figura central do hacker, que é um indivíduo solitário lutando pela sobrevivência dentro do mundo virtual da informação[1].

A corrente mais à direita dos ideólogos californianos é a que sai ganhando com esta aceitação acrítica do ideal liberal do indivíduo autossuficiente. No folclore americano, a nação foi construída em cima da selvageria, por indivíduos errantes — os caçadores, cowboys, pastores e colonos da fronteira. A revolução americana mesma foi levada a cabo para proteger as liberdades e propriedades de indivíduos contra leis opressivas e impostos injustos cobrados por um monarca estrangeiro. Para a Nova Esquerda e a Nova Direita, os primeiros anos da república americana fornecem um modelo potente para suas versões rivais da liberdade individual. Porém, existe uma contradição profunda no centro deste sonho primordial americano: neste período, os indivíduos só prosperavam através do sofrimento de outros. Nada esclarece melhor isto do que a vida de Thomas Jefferson — o ícone principal da Ideologia Californiana.

Thomas Jefferson foi o homem que escreveu o inspirador chamado para a democracia e a liberdade na Declaração de Independência americana e — ao mesmo tempo — tinha como escravos

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  1. Ver os heróis hackers em GIBSON, William. Neuromancer. London: Grafton, 1984; GIBSON, William. Count Zero. London: Grafton, 1986; e GIBSON, William. Mona Lisa Overdrive. London: Grafton, 1989; ou em STERLING, Bruce (org). Mirrorshades. London: Paladin, 1988. Um protótipo desta variedade de anti-herói é Deckard, o caçador de replicantes existencial em Blade Runner, de Ridley Scott.