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Quando a manhã, já humida e cinzenta,
Com suas mãos de brisa agita os ramos...»


E Marános: «Eu amo a Serra e o Mar...
Sou como a Lua e como a névoa ... Eu amo
As ondas em seu liquido anciar
E terrea densidade do seu extase.
Se têm a vossa forma, ó verdes ondas,
Os seios da Mulher, a aza e o vento...
Em onda o riso sobe e cae a lagrima;
É onda o olhar, a luz, o pensamento...
Ondas do mesmo mar que é Deus, emfim;
Grande mar onde é apenas gota de agua
O sol, e branda espuma a Via Lactea,
E alta maré meu sonho e minha magua!...»


E como distrahido, assim dizia
Marános; e o Outomno derramava
Doce penumbra de melancolia
Na onda da sua voz harmoniosa...
E tinha um ar humano de quem ouve,
Uma tristeza humana, quasi amor;
E seus olhos azues representavam
A divina tragedia do sol-pôr.


E falou a Marános novamente,
N'uma voz elegíaca de sombra:


«Eu sou o primeiro somno do inocente,
Das virgens e das árvores ... Somno leve
Que humedecido véu de nevoa espalha

Nos corpos e nas almas, quando a Aurora