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Sou o empecido, esse homem de olhos fundos...
Vejo as Almas, os Genios, os Espíritos
E novas Creaturas, novos Mundos!
Sou o homem da Cegueira visionaria;
Da Estupidez divina e inteligente,
Que, ao andar pela estrada solitaria,
Vê os Anjos do céu que lhe aparecem...
Emquanto os maus profetas e outros sabios,
Os de céga visão, de inteligencia
Estupida e mesquinha, não avistam
A vida em alma e sonho e pura essencia!


«Eu ouço a tua voz; melhor te vejo,
Porque tu és o eleito dos meus olhos,
Espirito arraigado no desejo,
Desejo, alem das nuvens, florescendo...
E vendo-te e sentindo-te, imagino
Ou, antes, vejo a forma transcendente
Como os Deuses e as Lendas se criaram
Na terra humana, em flôr, reverdescente...
E sinto que esta carne que me veste
Os ossos, palpitante e dolorosa,
É hoje um meio vivo egual àquele
Em que Venus, envolta em luz radiosa,
Surgira da Onda mater e divina...


«Sou o Azul, onde a estrela dos Reis Magos
Brilhou, e a humilde gruta pequenina,
Onde o Menino Deus foi dado á luz...
Sou a Lyra de Orfeu, mais o arvoredo
Dominado e attraido ... E nos meus olhos,

Tão cheia de luar e de segredo,