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E Marános a Apolo: «Ó Deus eterno,
Estranho é para mim que a Divindade
Como os homens padeça!» E logo Apolo:
«A maior dôr é a própria Eternidade!»


E a Lyra, em suas mãos, emudecendo
Parecia evocar a noite pálida...
E um silencio outomnal vinha descendo
Sobre a fronte scismatica de Apolo...
E continuou falando n'uma voz
Nevoenta, como a voz que tem o mar:


«Ando errante no mundo a ver se encontro
A minha antiga vida...
 E a luz do luar,
Desdobramento indefinido e vago
Do meu corpo abrasado e esplendoroso,
Envia-me, de longe, o seu afago
De sombras e o seu beijo que é de lagrimas.


«Fumos, melancolias, nevoas de alma!...


«Quanto deve ser doce! oh, quanto deve!
Sentir pousar na fronte a noite calma
Quem vive em fogo e luz perpetuamente!


«Concederam-te os Deuses o favor
Da morte, que eles próprios não tiveram...
A morte que é o signal do creador,
Porque, ai, a Eternidade é creatura!»


E Marános ouvira em confusão,