Página:Marános, Teixeira de Pascoaes, 1920.djvu/120

116


Mas antes de chegar á bôa Ermida,
A noite surpreendêra-o no caminho...
Ao longe, uivavam lobos, e nas trevas
Voavam aguias em busca do seu ninho.
E a triste escuridão, que se elevava
Do mundo para o céu, na grande altura,
Como fumo subtil, se dissipava,
Entremostrando o riso das estrelas...
E o beijo da penumbra, desprendido
Dos teus lábios, ó noite, em altos sêrros
Esvoaça mais tenue e esclarecido
Que nos vales profundos e scismaticos...
E no brumoso longe oriental,
Um doce alvôr, um mystico desmaio,
Um silencio de luz espiritual,
Luminosa tristeza vae subindo...
E a sombra refugia-se medrosa
Nos recantos escuros ... e depois,
Vae descendo ... descendo a fragarosa
Encosta das quebradas e dos píncaros
Que erguem os altos cumes pelo céu,
Já tocados de branda e etérea graça...


E a Lua no Oriente amanheceu,
E anda o Luar, emfim, sobre a Montanha...
Dir-se-hia que do Azul a Via Lactea
Descêra ao mundo, e as almas caminhantes,
Que andam atravez d'ela, agora andavam
Por outeiros e pincaros, errantes...
E em tal estado de intima canção,
Caminhava Marános, que ele todo

Era uma fonte viva de emoção...