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Nem mesmo é Corpo ou Forma transitoria...
Oh, dá-me as tuas azas, Sombra enorme!
Quero voar, subir á grande altura
D'onde meu sêr tombou, qual fio de agua
Que d'uma nuvem desce á terra dura;
Mas sempre prêso á nuvem d'onde cáe,
Mas sempre prêso á terra que o devora!
Quero ir além da Vida e além da Morte,
Para além das estrelas e da aurora!»


E a Sombra, que dos montes se elevava,
Envolvia Marános ... e o seu gesto
Crepuscular e vago se tornava,
Como um vulto sumindo-se na noite:


«Já levas meu espirito ancioso
Atravez de nevoeiros e penumbras,
D'esse profundo ventre mysterioso
D'onde nascem as almas e os espectros.
E n'um estonteamento interior,
Vou atravez de espaços confundidos,
De estrelas hesitantes, mundos vagos
E noturnos desertos esquecidos...
Vou em procura de mim proprio; eu ando
Ao longo de infinita escuridão,
De forças, energias que se cruzam
N'um sitio—que é meu sêr, meu coração!
E eis que me perco em grande labirintho!
Onde estou? Quem sou eu? Apenas vejo
Uma onda viva de emotivo instincto,
Que me vae arrastando para um mar

De sombra c de mysterio ... Como a espuma,