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Capítulo 2
O domínio público no sistema internacional

 

2.1. Breve histórico

A análise histórica de determinado instituto jurídico pode ser desafiadora. Afinal, um único instituto pode conter significados distintos nos diferentes momentos que atravessa, muito em razão de aspectos culturais bastante específicos e que dizem respeito, também eles, àquele determinado momento histórico, o que dificulta fazer uma comparação precisa quanto à sua real configuração em um momento e outro[1]. O poder familiar, por exemplo, sofreu inúmeras modificações em sua justificação e em seu exercício ao longo dos séculos, suscetível que é às peculiaridades do tempo e da sociedade onde é exercido.

O mesmo se dá quanto à busca pelos equivalentes estrangeiros do instituto objeto de dissertação ou tese. Afinal, também os diversos sistemas jurídicos do mundo tratam determinado conceito jurídico – que pode até ter o mesmo nome ou seu sinônimo linguístico em outro idioma – a partir de suas próprias construções culturais e valores normativos[2]. O contrato de seguro realizado no Brasil, por exemplo, não contará com as mesmas regras, a mesma configuração ou mecanismos para ser interpretado que seus similares em outros países ou sistemas jurídicos. Para compreendê-lo, e para que sua comparação entre um país (ou sistema jurídico) e outro faça sentido, não basta apresentar as regras que o regulam: é fundamental compreender também que sociedade e que valores culturais estão a circundar a elaboração do contrato.

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  1. “Se consideramos as interpretações que se sucedem sobre uma lei de dois séculos (sobre o Code Napoléon, por exemplo), verificamos que a geração de Luís Felipe deu uma interpretação, e a de Clemenceau deu-lhe outra; cada intérprete dirá certamente que todas as interpretações passadas são equivocadas, e um comparatista que se empenhasse nestas polêmicas entre gerações seria considerado ridículo”. SACCO, Rodolfo. Introdução ao Direito Comparado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001; p. 77.
  2. O próprio direito autoral apresenta alguma distinção em sua configuração presente, apesar dos padrões impostos pelo mundo globalizado. Ronald Bettig afirma que em Bali, sua recente tradição oral via as obras produzidas como anônimas, orientadas para a comunidade, criada por meio de um processo colaborativo, expressão do pensamento da coletividade. Além disso, a China só viria a ter um sistema de direito autoral a partir de 1991. No original, lê-se que: “(...) in the more recent oral culture of Bali, artistic property, in the sense of personal prossession, did not exist. The Balinese viewed the production of culture as an anonymous, community-oriented, participatory process, and they intended art to be ‘the expression of collective thought’. Thus, artistic knowledge could not be centralized in the hands of a particular intellectual class. Until 1991, the People’s Republic of China did not have a copyright system, reflecting the fact that the concept of intellectual property also did not exist in the societies of Southestern Asia”. BETTIG, Ronald V. Copyrighting Culture – The Political Economy of Intellectual Property. Westview Press. Boulder, 1996; pp. 12-13.