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O domínio público no direito autoral brasileiro
– Uma Obra em Domínio Público –

intelectuais em razão do desenvolvimento industrial, vigorava uma verdadeira anarquia quanto à permissão para impressão de livros, tanto na Europa quanto na América.

Havia duas principais consequências decorrentes da falta de controle internacional no tráfego de obras literárias e artísticas de um país para outro. A primeira era de mercado: na Bélgica, na Holanda e na América, a primeira editora a publicar um livro estrangeiro, ainda que sem autorização, passava a gozar de um tipo de monopólio. “Entre editoras, portanto, reinava uma espécie de convenção (de contrafação), graças a qual se reconhecia uma espécie de privilégio (courtesy copyright) àquela que publicasse pela primeira vez no país uma obra de autor estrangeiro em contrafação”[1].

A segunda consequência afetava mais diretamente os interesses das monarquias europeias: era possível por meio da contrafação escapar à censura imposta em determinado país. Trata do fato Maristela Basso[2]:


A contrafação integrava a indústria nacional e até os monarcas favoreciam sua prática, nos seus Estados. Em cada país se praticava a contrafação estrangeira, em alguns mais, em outros menos. O que, de uma certa forma, contemporizava a prática da contrafação, em alguns países, era a censura. Na Holanda se podia publicar o que na França, às vezes, a censura real não permitia e isso acontecia também em outros países. Nos países divididos em várias províncias, como Holanda, Itália e Alemanha, os autores sofriam ainda maiores constrangimentos. Uma obra impressa em Roma ou em Florença poderia ser reimpressa em Turim, Nápoles ou em qualquer outro lugar, sem que isso fosse considerado fraude e sem pagamento de direitos autorais. Países de língua e de literatura mais conhecidas, como a França, viam seus autores sofrerem a contrafação de forma ainda mais marcante e aberta.


Diante dos fatos, passou-se a debater qual a melhor forma de se proteger a produção intelectual. Não se tratava apenas de se proteger os direitos autorais, mas também a propriedade industrial.

Inicialmente, o mais comum era a celebração de acordos bilaterais[3]. Em 1852, a França passou a conceder às obras publicadas em países estrangeiros os mesmos direi-

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  1. Ruffini, citado por BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Cit.; p. 86. Como se pode imaginar, a situação não era nada diferente no Brasil. “Segundo Ramalho [Ortigão], também seu colega Pinheiro Chagas ‘tem no Rio de Janeiro um ladrão habitual’ que teve o impudor de lhe escrever: ‘Tudo que V. Exa. publica é admirável! Faço o que posso para o tornar conhecido no Brasil, reimprimindo tudo’. Na verdade, os editores no Brasil e, inclusive, em Portugal utilizavam uma prática vulgarizada no mundo inteiro. A obra estrangeira, principalmente, não tinha dono”. ROCHA, Daniel. Direito de Autor. Cit.; p. 23.
  2. BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Cit.; pp. 86-87.
  3. Disponível em http://www.wipo.int/export/sites/www/about-ip/en/iprm/pdf/ch5.pdf#berne. Acesso em 22 de maio de 2010. Também comum a celebração de acordos entre diversos Estados de uma mesma nação e língua, normalmente os mais expostos à contrafação, conforme esclarece Maristela Basso: “[n]a Holanda, um privilégio concedido pela autoridade de uma província era válido para o território de outra, por força de acordo. Na Alemanha, em 1832, foi suprimida a distinção entre os sujeitos dos diversos Estados da Confederação Germânica, quanto aos direitos de propriedade literária. Os Estados italianos aderiram, em 1840, ao Acordo feito entre o Piemonte e a Áustria”. BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Cit.; p. 88.