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Sérgio Branco

O principal efeito da entrada de determinada obra no domínio público é a possibilidade de sua utilização independentemente de autorização do autor ou do titular dos direitos autorais. Por isso, obras em domínio público podem ser copiadas, reeditadas, transformadas, traduzidas, adaptadas etc., sem que seja necessário pagar por esse uso. Além disso – e ao contrário da regra geral que deve ser observada enquanto vigentes os direitos autorais sobre a obra –, é possível fazer uso comercial desta, auferindo lucros com seu uso, independentemente de autorização de terceiros.

É fácil, portanto, perceber o impacto social do domínio público. Ao se devolver à sociedade aquilo que a própria sociedade propiciou (por conta das múltiplas influências culturais que sofre, individualmente, cada um dos artistas criadores de obras intelectuais), permite-se, de fato, que as pessoas possam desfrutar, independentemente das limitações legais ou de licença, da obra anteriormente protegida. Da mesma forma, permite-se que a obra original sirva de matéria-prima direta para novos trabalhos.

Dessa maneira, fazer a obra ingressar em domínio público é consentir que siga seu curso natural, autorizando sua reapropriação pela sociedade e admitindo seu aproveitamento por parte de todos.

Passamos a seguir a abordar o segundo aspecto: a utilização de obra alheia que tenha ingressado em domínio público e as suas consequências econômicas[1].

1.3.2.2. Razões econômicas

 

Podemos afirmar, sem muita chance de erro, que todas as obras compostas por autores falecidos até 1910[2], em todo o mundo, encontram-se no momento em domínio público. Portanto, desde as primeiras pinturas rupestres ou a saga de Gilgamesh até as obras de Mark Twain, toda a cultura compreendida desde a aurora da criação até o início do século XX está em domínio público.

Se a proteção perpétua das obras intelectuais acarretaria diversas dificuldades sociais, não seriam menores os inconvenientes econômicos[3]. Estes serão analisados a partir de duas perspectivas distintas e complementares: primeiro do ponto de vista do autor

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  1. Uma síntese das razões sócio-econômicas para a construção do domínio público são apontadas pela professora Pamela Samuelson, da Universidade da Califórnia. SAMUELSON, Pamela. The Future of the Public Domain: Identifying the Commons in the Information Law. Kluwer Law International, 2006; p. 22. Entre outros motivos para a existência do domínio público, com relação aos direitos autorais e às patentes, podemos citar: servir como base para criação de novos trabalhos; permitir a competição; permitir inovação; permitir acesso a informação a custo mais baixo; dar acesso à herança cultural; promover a educação; promover a saúde pública e a segurança; promover valores e processos democráticos.
  2. Tomamos como prazo máximo de proteção o definido na lei mexicana, que prevê que as obras intelectuais restam protegidas por até 100 anos contados do falecimento do autor.
  3. Sempre houve, entretanto, quem advogasse a perpetuidade dos direitos autorais. Em Portugal, tornou-se clássica a disputa entre Alexandre Herculano, que pregava a perpetuidade dos direitos autorais, e Almeida Garrett, defensor do direito de acesso por parte da sociedade. Para compreensão do panorama na Espanha, ver TOLSADA, Mariano Yzquierdo. La Duración del Derecho de Autor. La Duración de la Propriedad Intelectual y las Obras en Domínio Público. Coord,: Carlos Rogel Vide. Madri: Réus, 2005; p. 36.