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Algumas senhoras estavam vestidas de branco, e quando nos circulos da valsa passavam sob a zona da luz, e eram envolvidas n’uma claridade phosphorica, os vestidos brancos tomavam tons espectraes, os cabellos louros luziam com um encanto morto, havia em tudo aquillo como uns longes de dança macabra...

Carmen estava possuida da mesma agitação da chamma do punch, travava do braço a um, valsava com outro, escarnecia, tinha replicas, batia o leque. D. Nicazio, esse resonava perto da amurada. De vez em quando entornavam-lhe punch pela bocca: elle abria uma frestado olho:

Thank you, caballeros! e adormecia.

— Onde está captain Rytmel? disse de repente Carmen. Tragam-n’o... Quero valsar com elle.

Rytmel conversava com a condessa socegadamente, longe da luz.

— Rytmel! Rytmel! chamaram varias vozes.

Vimol-o approximar-se contrariado, mas rindo.

— Uma valsa, gritou-lhe a hispanhola.

A flauta começou: ella tomou os hombros do capitão, e despediram em grandes circulos; os vestidos de Carmen enchiam-se d’ar, os seus cabellos desmanchavam-se; a luz do punch tremia; ao compasso rapido, os giros vertiginosos, enlaçados, pareciam vôos, lembravam a valsa do diabo cantada por Byron. Ella vergava nos braços de Rytmel, com a cabeça errante, os olhos cerrados, os beiços entreabertos e humidos.

— Bravo! Bravo! gritavam os inglezes em roda.

A luz do punch erguia-se, balançava-se, valsava tambem. Carmen e Rytmel passavam como sombras, levados por um vento leve, cheios dos reflexos idealisadores da chamma azul. O som frenetico da flauta perseguia-os; parecia que elles iam voar, desapparecer entre as cordagens, dissipar-se na noite. Os inglezes gritavam, erguendo os chapeus:

— Hip! hip! hip!

Eu notava na condessa, entretanto, uma vaga sobre-excitação: estava observando de longe com os olhos resplandecentes, o seio arquejante. Apenas a valsa findou, ella tomou o braço do capitão, e ouvi-lhe dizer n’uma voz grave e reprehensiva:

— Não dance mais.

Fiquei surprehendido. Que havia? Um segredo? Pois a condessa, tão altiva, tão casta, tão timida!...

Approximei-me d’ella.

— Prima, é tarde. Não quer descer?...

Ella olhou-me serenamente, sorrindo.