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amo Rytmel. Demais é uma obrigação, salvou-me a vida. É sobretudo uma paixão estupida que me roe, que me mata. E ainda me não mata tão depressa como eu queria. Faço tudo para me matar. Ponho-me a suar, levanto-me e vou apanhar o orvalho para o terraço. Para que vivo eu? Vivia d’esta paixão. Cresceu desde que o vi agora. E diga-me quem o não ha de adorar? Ás vezes lembra-me matal-o!...

Conversámos algum tempo. A pobre creatura tinha nos olhos um fulgor febril, na face uma pallidez de marmore. Eu procurei calmal-a. Começava a sympathizar com ella...

A condessa não sahiu do seu quarto dois dias. Eu contei ao conde que ella tivera em Gozzo um susto terrivel, porque tinhamos estado em perigo, na visita ás cavernas da costa, onde a navegação é cheia de desastres. Estive quasi sempre, depois, com Rytmel. Lentamente a esperança renascia no seu espirito. Accommodava-se, ainda que com certas repugnancias, a uma situação mais racional, ainda que menos pura. Era um convalescente da paixão. E, ao fim de cinco dias, senhor redactor (tanto a natureza humana é cheia de conciliações!) ao fim de cinco dias a condessa appareceu no theatro, fresca, radiante, e ao lado da brancura dos seus hombros reluziam as dragonas de ouro de Captain Rytmel!

Entrámos então n’uma vida serena, sem romance e sem lucta. Os corações tinham calmado, e fallavam baixo. O conde passeava no campo com mademoiselle Rize; lord Grenley fumava, cheio de tédio, o seu cachimbo de opio; eu jogava as armas com os officiaes inglezes; D. Nicazio negociava; Rytmel tinha um ar feliz e mysterioso; a condessa recebia, guiava os seus poneys, e todas as noites, no theatro, fazia reluzir ao gaz o louro esplendor dos seus cabellos e a pallidez preciosa das suas perolas. Santa paz!

O tempo estava adoravel. Malta resplandecia, a bahia reluzia ao sol, os jardins floresciam, os olhos das maltezas suspiravam. Era o tempo das flôres da laranjeira. Só Carmen emmagrecia e vivia retirada.

Mr. Perny entrava em convalescença: passava o tempo deitado n’um sophá, de dia compondo uma opera comica, á noite jogando com alguns officiaes, e salpicando a gravidade britannica de calembourgs bonapartistas.

Uma occasião, ao sair de casa d’elle, onde tinha perdido algumas duzias de libras, recolhia eu a Clarence-Hotel levemente irritado, e sentindo um prazer excentrico em cantar o fado pela ruas de Malta, a mil legoas do Bairro Alto. O pavilhão que nós habitavamos em Clarence-Hotel dava