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O mais racional era conduzil-o a um quarto do hotel; mas isso era dar ao facto uma publicidade ruidosa, fazel-o cair sob o dominio da policia, arrastar até á acção dos tribunaes inglezes o nome da condessa. Porque eu tinha comprehendido tudo. Sabia agora, bem, quem na vespera entrára rapidamente pela porta verde com uma chave falsa. Sabia bem a quem pertencia o punhal indio achado nas moitas de buxo. Comprehendia a commoção de Carmen, quando eu a surprehendera ali, no jardim, embuçada n’um burnous, esperando. E comprehendia desgraçadamente a que quarto se dirigiam os passos de Rytmel dentro do jardim de Clarence-Hotel.

Era, pois, necessario encobrir aquella aventura. E Rytmel, apesar dos obscurecimentos do desmaio e da dôr, tinha-o pensado tambem, porque me disse com uma voz expirante:

— Escondam-me em qualquer parte!

Sahi logo á rua. Passava um daquelles carros ligeiros, d’um só cavallo, que percorrem, com extrema velocidade, e com immensa doçura, as ruas inclinadas de La Valette. O vatturino era italiano. Fallei-lhe vagamente n’um duello, dei-lhe um punhado de shellings, ameacei-o com os policemen, e pul-o absolutamente ao serviço do meu segredo.

Collocámos Rytmel no carro; com mantas fizemos-lhe uma especie de ninho, commodo e molle, e o cavallo trotou rapidamente, pela rua de S. Marcos, para casa de Rytmel. Ahi grande rumor entre os officiaes inglezes. Eu contei uma incoherente historia d’assalto ao florete, em que a minha arma subitamente se tinha desembolado. A historia era inacceitavel; mas era facil comprehender que havia por traz d’ella um segredo delicado, e isto era o bastante para a altiva reserva de gentlemen.

Rytmel, aos primeiros curativos, serenou e adormeceu.

Tudo tinha sido feito em silencio, desapercebidamente. Fui tranquilizar a condessa. Eram tres horas da noite. Havia temporal, e eu sentia quebrar o mar nas rochas da bahia. Tudo dormia em Clarence-Hotel.

— Agora nós! disse eu. E dirigi-me ao quarto de Carmen.

Havia luz. Abri a porta, corri o reposteiro, entrei. A luz era frouxa, desmaiada. Ao principio não distingui ninguem e ouvi apenas soluçar. Emfim sobre um sophá, deitada, enroscada, sepultada, vi Carmen, com a cabeça escondida, o penteado solto, coberta de sangue e abraçada a um crucifixo. Ao pé, sobre uma mesa, havia uma garrafa de cognac e um pequeno frasco azul facetado. Quando sentiu