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os meus passos no tapete, Carmen levantou-se um pouco no sophá. N’aquelle momento a sua belleza era prodigiosa.

Tinha os cabellos soltos: os olhos reluziam como aço negro, e o penteador, aberto sobre o peito, deixava vêr a belleza maravilhosa do seio.

Confesso que não foi a idéa da vingança e do castigo que me tomou o espirito diante d’aquella mulher tão terrivelmente possuida da paixão. Lembraram-me as figuras tragicas da arte, lady Macbeth e Clithemnestre, e tanta belleza, tanto esplendor, fizeram-me subir ao cerebro um vapor de amores pagãos.

Ella tinha-se erguido e, com uma voz secca:

— Que quer?

Eu fiquei calado.

— Bem sei. Vem buscar-me. Fui eu que o matei. Está ahi a policia, não? Estou prompta. É pôr um chale.

— Ninguem o sabe, disse-lhe eu baixo, e, sem saber por quê, commovido.

— Que me importa? Não o occulto. Matei o meu amante. Fui eu. Ah! pois quê? nós outras damos a nossa vida, a nossa alma, entregamos todo o nosso ser, pomos n’isto toda a nossa existencia, a nossa honra, a nossa salvação na outra vida, e lá porque vem outra que tem os cabellos mais loiros ou a cinta mais fina, adeus tu, para sempre! olá creatura! despreso-te, tu foste para mim o momento, o capricho, a futilidade. Ah! sim? Então que morra. Que quer mais? Vá buscar os policemen.

Eu disse-lhe então, em voz baixa:

— Fui encontral-o banhado em sangue.

Ella olhou-me desvairadamente um momento, e de repente, arremessando-se sobre o sophá, abraçou-se ao crucifixo e com grandes lagrimas, com um delirio de soluços:

— Ah, meu Deus, perdoae-me! Perdoae-me, Jesus! Perdoae-me! Fui eu que o matei! Estou doida de certo. Pobre Rytmel! Rytmel da minha alma! Não o torno a vêr, não lhe torno a fallar! Acabou-se para sempre!... Jesus, o que eu sinto na cabeça!... Em Calcuttá adorou-me, aquelle homem. Ajoelhava aos meus pés, eu queria morrer por elle. Diga-me,escute: enterraram-n’o? Está muito ferido? Eu não o feri no rosto? não, isso não! Vá depressa. Vá buscar a policia!... Mas porque me não prendem? Ah meu pobre Rytmel! eu morro, eu morro, eu morro! D’aqui a pouco começam a tocar os sinos!..

Ergueu-se com gestos de louca, foi ao espelho, compoz