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Ás onze horas da noite fomos tomar chá para o terraço. Havia um admiravel luar. O terraço tem na sua base um grande tanque, cheio de plantas da agua, de largas folhas, e de nenufares, e onde poderia navegar um escaler. A agua escorre alli com um murmurio doce. A hora era adoravel. As redondas massas de verdura do jardim, os arvoredos, appareciam como grandes sombras pesadas e cheias de mysterio. Ao longe os campos e os prados esbatiam-se n’um vapor docemente luminoso e pallido. Havia um silencio suspenso. As cousas pareciam contemplar e sonhar.

Sobre uma mesa no terraço estava um bule do Japão e tres pequeninas chavenas de Sévres, uma das quaes, de um gosto original e feliz, era a da condessa. Tinhamos tomado chá, e eu notava a excentrica fórma, o delicado desenho, a pura perfeição d’aquella maravilhosa e pequena chavena, que a condessa chamava a sua taça.

— O rei Arthur só podia beber pelo seu copo de estanho... disse Rytmel, sorrindo.

— E eu só posso tomar chá por esta taça, disse a condessa. Não sei porque, representa para mim o socego, a felicidade. Quando estou triste e bebo por ella parece-me que se dissipa a nuvem. Uma flôr que eu queira conservar ponho-a dentro d’essa chavena, e a flôr não murcha. Demais o chá bebido por ella tem um gosto especial: ora veja, captain Rytmel! beba!

Toda aquella glorificação da chavena tinha tido por fim o poder Rytmel, na minha presença, sem isso ser menos discreto, beber pela chavena da condessa, — encanto supersticioso e romantico, que pertence de grande antiguidade á tradição do amor!

Rytmel agradeceu, deitou uma gota de chá na pequenina chavena dourada. Eu no entanto olhava a condessa.

Estava originalmente linda. Tinha o vestido levemente decotado sobre o seio. E o luar dava-lhe aquelle limbo poetico que todas as claridades mysteriosas, ou venham de astros mortos ou de luzes desmaiadas, dão ás figuras louras.

Havia um piano no terraço; a condessa sentou-se, e sob os seus dedos o teclado de marfim, chorou um momento. O silencio, o infinito da luz, a attitude contemplativa das cousas, o murmuroso chorar da agua nas bacias de marmore, tudo nos tinha insensivelmente lançado n’um estado de suave e vago romantismo...

De repente a condessa elevou a voz e cantou. Era a ballada do Rei de Thule.

Alguem tinha traduzido aquella ballada em rimas populares.