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A luva, que levantei do chão, era de mão de homem, e de pellica branca com cordões pretos. Por dentro tinha em letras azues a marca de um luveiro de Londres. Era evidente que tinha achado o que procurava. Rytmel era o nome do morto.

Abri em seguida a porta que tinha em frente de mim e estremeci de horror. Estendido n’um sophá estava o cadaver. A expressão do seu rosto inculcava um socego feliz. Parecia dormir. Apalpei-o; estava frio como marmore. Collocado perto d’elle estava um copo com um pouco de liquido. Era opio.

Percorri o aposento com um relance d’olhos. No forro de setim preto do chapeu, que estava caído no chão, vi bordadas em vermelho uma corôa de barão e duas grandes lettras — um W. e um R.

Não podia perder tempo. Fui para casa, sentei-me pacientemente á minha banca e abri o album defronte de mim na pagina em que estavam os versos assignados por W. Rytmel.

É de saber que tenho aquella especie de habilidade que Alexandre Dumas considera aviltante e vilipendiosa para a intelligencia: sou, como terá visto pela letra d’estas cartas, um excellente calligrapho. Copiei escrupulosamente, desenhando letra a letra, por trinta ou quarenta vezes consecutivas, os dois versos que tinha patentes. Depois principiei a construir, com letras da mesma fórma das que tinha copiado, outras palavras differentes. Finalmente, depois de muito estudo e de muitos ensaios, peguei na meia folha de papel que tinha encontrado na casa em que se dera a catastrophe, e fiz em inglez com escripta que ninguem no mundo duvidaria ser a da pessoa que escreveu no album os versos assignados pelo nome de Rytmel, uma declaração pessoal do suicidio por meio do opio. D’este modo, quer mais tarde me occorresse, quer não, o meio mais conveniente de sepultar o cadaver, as suspeitas de homicidio desappareciam.

A condessa estava salva desde que, antes de mais ninguem, eu entrasse na casa e collocasse junto do corpo o bilhete que escrevera.

Mas eu ficava sendo um falsario. Repeti a mim mesmo esta palavra sinistra e estremeci de horror. Era preciso achar outro meio, que eu procurava debalde. E no entanto o tempo corria. Veio a noite. Lembrei-me que o primo da condessa poderia vir de Cascaes prevenido por ella, e cheguei a sahir de casa com pregos e um martello para encravar a fechadura da porta e retardar a entrada no predio