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A Confissão d’ella

I

 

Parece-me ás vezes que tudo isto se passou n’uma vida distante como um romance escripto, que me causa saudades e dôr, ou uma velha confidencia de que a minha alma se lembra. Mas de repente a realidade cae arrebatadamente sobre mim, e creio que soffro mais então, por ter a consciencia de que não devia nunca ter deixado de soffrer. Foi bom que me determinasse a esta confissão. Contar uma dôr é consolal-a. Desde que me determinei a escrever estas confidencias, ha no meu peito um alivio e como um movimento de dôres crueis que desamparem os seus recantos.

O principio das minhas desgraças foi em Paris. Lá comecei a morrer. Lembra-me o dia, a hora, a côr da relva, a côr do meu vestido. Foi no fim do penultimo inverno, em maio. Elle estava tambem em Paris. Viamo-nos sempre. Ás vezes saíamos da cidade, iamos passar o dia a Fontainebleu, Vincennes, Bougival, para o campo. A primavera era serena e tepida. Já estavam floridos os lilazes. Levavamos um cabazinho da India com fructa, n’um leito de folhas de alface. Riamos como noivos...

Havia tres mezes que estavamos em Paris: o conde — creio que o disse — estava na Escossia com lord Grenley caçando a raposa nas tapadas do principe de Beaufort.