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III

 

Não pense que digo isto com amargura. A maior alegria que eu posso ter é a anniquilação da minha individualidade.

Por isso não tenho escrupulos. As almas extremamente desgraçadas são como as creancinhas: devem mostrar-se nuas.

Além de tudo supponho que estas paginas podem ser uma revelação proveitosa para aquellas que estejam nas illusões da paixão. Que me escutem pois!

São 11 horas da noite. N’este momento quantas sei eu que soffrem, que esperam, que mentem, possuidas de um sentimento, que pouco mais lhes dá do que a felicidade de serem desgraçadas! Tu, minha pobre J..., mulher de discretos martyrios, a quem tantas vezes vi os olhos pisados das lagrimas! tu pobre Th..., que tens passado a tua vida a tremer, a receiar, a humilhar-te, a espreitar, e a fugir..., vós todas que estaes envolvidas pelo elemento cruel da paixão, quasi fóra da vida, e em lucta com a verdade humana, vós todas escutae-me!

Desde que amei, a minha vida foi um desequilibrio perpetuo. Não era voluntariamente que eu cedia á attracção, era com uma repugnancia altiva. Mil cousas choravam dentro em mim, soffria sobretudo o orgulho. Era impossivel fazer com elle uma conciliação. Reagiu sempre, protesta ainda. Parece vencido, resignado, mas de repente ergue-se dentro de mim, esbofetea-me o coração.

O que eu soffri! o que eu córei! Córei diante da minha pobre Joanna, da minha velha ama, um anjo cheio de rugas, que sabe sobretudo amar quando tem de perdoar! Córava diante das minhas criadas. Julgava-me feliz quando ellas me sorriam, tremia quando lhes via o aspecto serio. Dava-lhes vestidos, ensinava-lhes penteados. Saíam ás vezes de tarde, recolhiam alta noite; eu córava profundamente no meu coração, e sorria-lhes.

O olhar dos homens era-me insupportavel: parecia-me envolver uma affronta. Imaginava que era publica a aventura do meu coração, que era julgada como uma creatura de paixões faceis, o que dava a todos o direito de me fazerem