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córar. Quantas vezes sahi do theatro afogada em lagrimas! Analysava os gestos, os olhares, os movimentos dos labios. «Fulana olhou-me com desdem! Aquelle riu-se insolentemente, quando eu passei! Aquell’outra affectou não me ver.» Se n’uma modista, ao escolher um vestido, me diziam: «Esta côr é alegre, é bonita!» eu pensava commigo: «Bem sei, aconselham-me as côres vivas, ruidosas, as côres do escandalo, o género artiste!» E saía, fechava os stores do meu coupé, chorava desafogadamente.

Não me atrevia a beijar uma creança; olhava-a com uma ternura ineffavel, ia a tomal-a nos braços, mas dizia commigo: «Deixa esse pobre anjinho, não és bastante pura para lhe tocar!»

Devo dizer tudo. Córava diante do meu cocheiro! Sorria-lhe com o maior carinho: temia a todo o momento uma má resposta, uma audacia, uma palavra accusadora. Quando eu entrava para a carruagem, e elle se erguia respeitosamente, eu ficava tão satisfeita d’aquella prova de attenção, que tinha vontade de o abraçar...

Acha odioso, não?

Defino o meu estado por uma palavra precisa e terrivel: quando meu marido me apertava expansivamente a mão, eu soffria tanto como se o outro me atraiçoasse!

Ai de mim! Quantas vezes quiz eu consolar o meu orgulho, pensando nas glorias dramaticas do soffrimento e do martyrio! Quantas vezes me comparei ás figuras lyricas da paixão, que contam as legendas da sua dôr ao ruido das orchestras, á luz das rampas, e que são Traviata, Lucia, Elvira, Amelia, Margarida, Julietta, Desdemona! Ai de mim! mas onde estavam os meus castellos, os meus pagens, e o ruido das minhas cavalgadas? Uma pobre creatura que vive da existencia do Chiado, que veste na Aline, que glorificações pode dar á sua paixão?

E depois é cruel, e é forçoso dizel-o: ha sempre um momento em que uma mulher pergunta a si mesma se realmente são as grandes qualidades moraes do seu amante que a dominaram. Porque então haveria justificações. E ha uma profunda humilhação em nossa consciencia quando nos chegamos a convencer de que, se amamos um homem, não foi só a nobreza das suas idéas e o ideal dos seus sentimentos que nos dominaram, mas um não sei quê, em que entra talvez a côr do seu cabello e o nó da sua gravata. Sejamos francas; para que havemos de disfarçar a pequenez estreita das nossas inclinações? Para que havemos de colorir de ideal a origem vulgar das nossas preferencias? Não quero dizer que