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Nem tentei luctar!

E foi por esse tempo que recebi uma carta em que elle me dizia: Parto para Portugal.

Que vinha fazer? O que era? Vinha despedir-se de mim? Vinha ver as minhas agonias? Vinha consolar-me? Vinha convencer-me? Vinha de novo dar-se captivo ao meu amor? Vinha. Nem elle mesmo sabia mais nada!

V

 

Rytmel chegou. A primeira vez que o vi foi em minha casa.

O conde estava então em Bruxellas. Era noite e na minha sala de musica achavam-se reunidas algumas pessoas: a marqueza de... velha legitimista, que fôra a graça da córte toureira de D. Miguel; o visconde de... moço insignificante e vagamente loiro, que eu acolhia bem, porque sua irmã, que morrera, fôra a minha intima, a minha confidente de collegio.

Viera tambem a viscondessa de... pequenita creatura petulante e mediocre, que tinha a graça de ter vinte annos, junta com a desgraça de os não saber ter e cuja especialidade era o querer parecer profundamente perversa, quando era apenas perfeitamente incaracteristica. Mas ao pé de mim, sentado n’um sophá com um abandono asiatico, estava um homem verdadeiramente original e superior, um nome conhecido — Carlos Fradique Mendes. Passava por ser apenas um excentrico, mas era realmente um grande espirito. Eu estimava-o, pelo seu caracter impeccavel, e pela feição violenta, quasi cruel, do seu talento. Fôra amigo de Carlos Beaudelaire e tinha como elle o olhar frio, felino, magnetico, inquisitorial. Como Beaudelaire, usava a cara toda rapada: e a sua maneira de vestir, de uma frescura e de uma graça singular, era como a do poeta seu amigo, quasi uma obra d’arte, ao mesmo tempo exotica e correcta. Havia em todo o seu exterior o que quer que fosse da feição romantica que tem o Satan de Ary Sheffer, e ao mesmo tempo a fria exactidão de um gentleman. Tocava admiravelmente violoncello, era um terrivel jogador d’armas, tinha viajado no Oriente, estivera em Meca, e contava que fôra corsario