carne, mastigou, lambeu os beiços e pediu mais. Eu tremia de amor, fascinado, feliz em soffrer por ella. Suffoquei a dôr, e estendi-lhe outra vez o braço...
— Oh! sr. Fradique! gritaram todos, escandalisados com a invenção monstruosa.
— Comeu mais, continuou elle gravemente, gostou e pediu outra vez.
Fallava com um sorriso fino, quasi beatifico. Nós iamos revoltar-nos contra a cruel excentricidade d’aquella historia.
N’este momento vi á porta da sala, trémula, com um grande espanto nos olhos, chamando-me baixo, a minha criada Betty. Fui: ella tomou-me pela mão, foi-me levando, e no corredor, olhando com receio, abrindo n’um grande pasmo os braços, disse-me ao ouvido:
— É elle!
Encostei-me desfallecidamente á parede, sentindo parar o coração.
Betty, com passos discretos foi abrir a porta do meu toillette. Entrei. De pé junto d’uma mesa, extremamente pallido, estava elle. Apertei as mãos sobre o peito, fiquei immovel, suspensa. Elle caminhou para mim com os braços abertos, para me envolver; eu deixei-me cahir aos seus pés, e calada beijei-lhe os dedos. Elle tinha ajoelhado commigo, e com as mãos enlaçadas, os olhos confundidos, choravamos ambos. Eu só dizia n’um murmurio de lagrimas:
— Ha tanto tempo!...
— Minha senhora, minha querida menina, dizia Betty da porta, e aquella gente, santo Deus, que ha de dizer?
Eu não a escutava. Foi elle que disse sorrindo:
— Tem razão, Betty, tem razão! É necessario voltar á sala.
E deu-me o braço. Entrámos: elle grave, eu meio desfallecida, abstracta, com os olhos marejados de lagrimas e um sorriso vago nas feições.
Disse o nome de captain Rytmel, e a sua antiga amisade com o conde. Vi a marqueza sorrir levemente.
E voltando-me para Rytmel:
— O sr. Carlos Fradique, disse eu, antigo pirata.
Os dois homens apertaram a mão.
— A senhora condessa lisongeia-me extremamente. Eu fui apenas corsario, disse Carlos.
Sentei-me ao piano acordando, a fugir, o teclado. Assim via bem Rytmel. A luz envolvia-o. Estava mais pallido, o seu rosto apresentava linhas mais graves. A testa